Aqui está-se sossegado
Longe do mundo e da vida
Cheio de nao ter passado
Até o futuro se olvida
Aqui está-se sossegado
Tinha os gestos inocentes
Seus olhos riam no fundo
Mas invisiveis serpentes
Faziam-na ser do mundo
Tinha os gestos inocentes
Aqui tudo é paz e mar
que longe a avista se perde
Na solidão a tornar
Em sombra o azul que é verde
Aqui tudo é paz e mar
Sim, poderia ter sido
mas vontade nem razão
O mundo tem coduzido
A prazer ou conclusão
Sim, poderia ter sido
Agora não esqueço e sonho
Fecho os olhos, oiço o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que veio azul a esverdear
Agora não esqueço o sonho
Não foi propósito, não
O seus gesos inocentes
Tocavam no coração
Como invisiveis serpentes
Não foi propósito, não
Durmo desperto e sózinho
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho
Um movimento sem lida
Durmo desperto e sózinho
Nada explica nem consola
Tudo está certo depois
Mas a dor que nos desola
De um não serem dois
Nada explica nem consola
Fernando Pessoa - Poemas Inéditos