Por acaso, pouco ao acaso confesso, já que os meus passos para ali me guairam, passei junto à Casa Museu José Régio, situada em Portalegre cidade do Alto Alentejo e lembrei-me de que há muito, muito tempo, estudante então, houvera lido este poeta e tinha retido na memória, já um tanto gasta, um seu poema de que particularmente gosto.
Por puro acaso então, encontrei um amigo a quem falei do assunto. Espanto meu, sorte a minha também é posssidor de uma edição DOS POEMAS DE DEUS E DO DIABO assinada pelo próprio autor em 1958. Ignorando as novas tecnologias, a do scan, neste caso, decidi transcrevê-lo numa tentativa de uma nova interpretação, agora mais madura.
«Vem por aqui»- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos
(Há nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar niguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam os meus passos....
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai....
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada
Como pois sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre, nas vossas veias sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principo nem acabo.
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Niguém me peça definições!
Ninguém me diga «vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!
José Régio
Li, reli, transcrevi e voltei a ler e apenas posso concluir:
Sei para onde quero ir mas não sei por onde vou. E tenho a minha Loucura